A opção pela criação legal de animais silvestres em ambiente doméstico
2010-07-27 00:00
Criar animais da fauna nacional em ambiente doméstico não foi uma invenção de alguns "algozes da natureza" que a partir do ano 2000 montaram um complô para tornar um mundo um lugar inabitável. Criar animais em domesticidade na verdade faz parte da cultura milenar de todos os povos de todos os países do mundo. Desde os seus primórdios os homens e mulheres domesticaram animais, e foi isso que permitiu que alguns deles assumissem funções importantes em nossos dias, seja na composição de nossa alimentação, seja na função de companhia ou estimação.
" Sabemos que em outros países a criação da nossa fauna é legal, o que gera a incongruência de sermos forçados a criar o Periquito Australiano enquanto felizardos estrangeiros criam nossas Iguanas, Canários-da-Terra, Azulões, Abelhas Nativas, etc "
Alguns argumentam que existem animais que não compõem a fauna silvestre e podem ser utilizados como "pets", deixando nossos exemplares em ambiente natural. A aceitação desta hipótese é tão descabida como querer que deixemos de falar nossa língua para falarmos o inglês, ou deixar de ouvir nossa música e ler nossa literatura porque já existem música e literatura de qualidade no exterior, ou ainda relegar nosso folclore porque existem outros à disposição. É a verdadeira negação da nossa cultura e raízes.
Por outro lado, todos sabemos que nos outros países, notadamente da Europa e América do Norte, a criação da nossa fauna é legal, o que gera a incongruência de sermos forçados a criar o Periquito Australiano, o Canário Belga e o Ferret deles, enquanto felizardos estrangeiros criam nossas Iguanas, Canários-da-Terra, Azulões, Abelhas Nativas, etc.
Os incautos ainda dirão que não existe motivação plausível por parte dos criadores. Cheguei a ler a barbaridade de que somente se cria por caridade, vaidade ou lucro. Reduz-se a nossa cultura e paixão a tão baixo nível! Todos nós certamente conhecemos pessoas que se dedicam à criação de animais por puro altruísmo, embora esta não precise ser necessariamente sua única motivação. A felicidade de conviver com um animal estimado se compara, muitas vezes, à felicidade do convívio com um ente querido. Se está havendo exageros de vaidade ou de lucro, que se estudem mecanismos que coíbam estas práticas.
Outros ainda baseiam seus argumentos nas dificuldades de fiscalização, normalmente os responsáveis por esta. A estes eu proponho que parem de se comportar como organizações não-governamentais e tratem de cumprir com suas atribuições que certamente haverá tempo de sobra para tal mister.
Todos nós sabemos que os motivos da diminuição de nossa fauna assumem várias vertentes, inclusive algumas que, apesar não menos graves que o tráfico de animais, são mais significativas do ponto de vista destrutivo como, por exemplo, a destruição do habitat e da alimentação natural, a poluição e a corrupção. Todos nós sabemos também que tudo isso pode ser controlado, bastando haver mais trabalho e menos discurso e desídia por parte de nossas autoridades.
" Defender a simples proibição da criação de nossa fauna em domesticidade é tão insano quanto defender que ninguém mais se alimente de animais abatidos "
A falta de tato, o preconceito e o ranço dos que se revestem de "ongueiros" fajutos (que nada têm a ver com o trabalho sério desenvolvido por muitas ONGs), inclusive aqueles que deveriam se revestir do princípio administrativo constitucional da impessoalidade, não fazendo a defesa de opiniões pessoais, mas observando a questão de cima e de uma forma holística, certamente se dá ou pela desinformação e falta de formação ou mesmo pela desocupação. E há de se enfatizar que o preconceito com aqueles que criam e amam seus animais de estimação pode ser comparado a qualquer outro preconceito, dada a agressividade de seus arquitetos.
Aqueles que fazem a defesa cega da impossibilidade da criação doméstica, além de terem argumentos frágeis, estão desrespeitando os direitos individuais e coletivos de outras pessoas e em nada estão contribuindo para a preservação da natureza. Muito pelo contrário, estariam condenando para sempre à ilegalidade uma parcela muito significativa da população que certamente não deixará sua cultura e paixão de lado.
Hoje, pode-se dizer que ainda estamos engatinhando no sentido de se obter uma situação favorável no que tange ao quantitativo de animais em regime de domesticidade que atendem aos requisitos legais e aqueles que são retirados arbitrariamente da natureza, porém a negação dos avanços que se tem conseguido é um retrocesso e só contribui para que a ilegalidade prevaleça. Temos sim que educar nossa população a adquirir animais legalizados e estimular a reprodução destes.
Defender a simples proibição da criação de nossa fauna em domesticidade é tão insano quanto defender que ninguém mais se alimente de animais abatidos. Por mais que alguns se sintam afetados com esta condição, o respeito aos direitos de uma parcela muito mais significativa da população e à sua cultura milenar deveria fazer com que estas pessoas, com um mínimo de reflexão, submetessem seus caprichos à razão e procurassem alternativas de realmente se fazer um trabalho adequado de manejo de nossa fauna silvestre. Somente isso poderá salvá-la!
Por Hudson Pinto Sampaio Santos
Globo Online 19/03/2008
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